Na última quarta-feira (21), o plenário da Câmara dos Deputados aprovou em primeiro turno a PEC 395/14, que permite a cobrança de taxas e mensalidades em cursos de extensão, aperfeiçoamento e treinamento nas universidades públicas. Caso aprovada no Senado, a emenda possibilitará a privatização e a mercantilização do ensino. As reitorias da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) divulgaram notas contra a proposta. A Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG) também divulgou posicionamento contra a PEC, que pode ser lido aqui.
NOTA DA REITORIA DA UFBA
Considerando a aprovação pela Câmara Federal, em primeiro turno, da PEC 395/2014, que autoriza a cobrança de anuidades, por instituições públicas, para cursos de extensão e de mestrados profissionais, a Reitoria da Universidade Federal da Bahia reitera a sua posição crítica ao texto aprovado pelas seguintes razões:
1. A proposta original do deputado Alex Canziani (PTB/PR), de 09/04/2014, previa “excluir do princípio constitucional da gratuidade, nos estabelecimentos oficiais, as atividades de extensão caracterizadas como cursos de treinamento e aperfeiçoamento, assim como os cursos de especialização.” Deste modo, o Art 206, IV, da Constituição passaria a assegurar “gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais de educação básica e, na educação superior, para os cursos regulares de graduação, mestrado e doutorado.”
A proposta original não despertou grandes controvérsias e não contou com a oposição desta Universidade porque ela apenas elucidaria juridicamente distintos comportamentos de fato existentes pelos quais algumas universidades públicas cobram por atividades de extensão e outras não. Ademais, atividades de treinamento e aperfeiçoamento, na forma de atividades de extensão, não têm um papel estruturante na configuração das atividades acadêmicas. Se aprovada neste termos, a PEC remeteria para cada universidade, nos marcos de sua autonomia, a decisão sobre cobrança dessas atividades de extensão.
2. Entretanto, em 17/09/2015, o substitutivo do relator, Deputado Cleber Verde (PRB-MA), alterou a redação da proposta original de modo que a Constituição Federal passaria a assegurar a “gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais, salvo, na educação superior, para os cursos de extensão, de pós-graduação lato sensu e de mestrado profissional, exceções para as quais se faculta sua oferta não gratuita, respeitada a autonomia universitária.” (grifos nossos)
A emenda ora aprovada pela Câmara Federal recebeu, no devido tempo, a nossa críticaprecisamente pela inclusão dos mestrados profissionais dentre as atividades pelas quais as instituições públicas podem passar a cobrar anuidades.
3. A nossa crítica fundamenta-se no desequilíbrio e mesmo desestruturação que tal medida trará ao sistema nacional de pós-graduação, pelas seguintes razões:
. Os mestrados profissionais são parte intrínseca do sistema nacional de pós-graduação, previstos em legislação desde a implantação deste sistema pela CAPES na década de 1970, com equivalência para efeitos legais aos mestrados acadêmicos. São, portanto, cursos de pós-graduação stricto sensu, ao lado dos mestrados acadêmicos e doutorados. Os mestrados profissionais distinguem-se dos acadêmicos apenas pelos objetivos de formação, mais voltados à preparação para a pesquisa e docência, no caso dos mestrados acadêmicos, ou para a melhor qualificação profissional ou da docência, no caso dos mestrados profissionais.
. Com o incentivo à expansão e diversificação da pós-graduação nos últimos quinze anos, cresceu substancialmente a oferta desta modalidade de pós-graduação stricto sensu. No conjunto do país, considerando os cursos de mestrado com avaliação entre 3 e 5 (faixa de variação comum às duas modalidades, acadêmico e profissional), temos 2817 mestrados acadêmicos e 589 mestrados profissionais. Na UFBA, por exemplo, em 2014, dos 128 cursos de pós-graduação stricto sensu ofertados, 12 são mestrados profissionais, 65 mestrados acadêmicos e 51 doutorados. Estes números indicam, portanto, a parcela já significativa de mestrados na modalidade profissional.
. No atual cenário de restrições orçamentárias, com as universidades públicas e a CAPES vivenciando tais restrições, a aprovação desta emenda representará, na prática, uma indução a que os programas de pós-graduação das universidades públicas migrem seus mestrados para tal modalidade, ainda que artificialmente, como forma de captação de recursos e de sobrevivência neste cenário de restrições ao financiamento público à educação. São estas circunstâncias, a nosso ver, que explicam a introdução deste dispositivo no substitutivo aprovado em setembro do corrente ano e, açodadamente, aprovado pelo plenário um mês depois, quando já se instalava uma crise no financiamento público à pós-graduação. A desestruturação no sistema da pós-graduação que poderá advir com a aprovação dessa emenda ocorrerá porque os mestrados profissionais não mais serão criados pelos seus objetivos educacionais intrínsecos, mas pela possibilidade de aporte de recursos que eles poderão trazer. Tal tendência terminará por impactar a própria política de estado da oferta de educação superior pública e gratuita.
4. Cabe assinalar, por fim, que a CAPES não financia os mestrados profissionais, salvo aqueles relacionados à formação de professores da educação básica, na suposição de que os mestrados profissionais podem ser financiados via acordos com os setores da sociedade interessados no aprimoramento de seus profissionais. Tal já ocorre com acordos das universidades públicas com setores dos estados, visando, por exemplo, à formação de profissionais na saúde e na administração pública, e com setores da iniciativa privada. Obstáculos burocráticos para tais acordos certamente existem, como existem para quaisquer atividades do estado, e devem ser criticados e enfrentados, mas não podem ser usados como pretexto para apoio a uma medida que desestruturará nosso sistema de pós-graduação e representará forma de ensino pago em instituições públicas de educação superior.
Por tais razões, a Universidade Federal da Bahia tem a expectativa de que, com um maior esclarecimento dos riscos envolvidos nessa emenda, a Câmara Federal possa reavaliá-la quando do segundo turno da votação.
NOTA DA REITORIA DA UFRJ
A Proposta de Emenda Constitucional No 395-B objetiva alterar o Inciso IV do Artigo 206 que dispõe sobre a gratuidade da educação nos estabelecimentos oficiais. Caso aprovada, significará o fim de um dos pilares da Nação: a gratuidade da educação pública. Trata-se de uma atitude antirrepublicana e antidemocrática que abrirá caminho para a generalização da cobrança de taxas e mensalidades nos estabelecimentos públicos do país, em todos os níveis e modalidades. Em outros países que destruíram a educação pública foi exatamente assim: amparados em discursos processuais votaram emendas constitucionais e retiraram direitos.
A aprovação da PEC enterra o princípio republicano da igualdade de todos na rede pública, visto que, com sua aprovação, terão prioridade no acesso à educação pública os clientes que podem pagar pelo que deveria ser um direito universal. A PEC transformará a educação em um serviço, deixando de ser um dever do Estado.
Uma alteração constitucional dessa envergadura provocará um grave retrocesso no futuro da pesquisa no Brasil, pois ao abrir a possibilidade de obter recursos no mercado, através de cobrança de mensalidades, as já insuportáveis restrições orçamentárias irão se agravar, acelerando a degradação da infraestrutura nas universidades públicas e desonerando o Estado de um dos seus principais deveres.
O princípio da gratuidade é um patrimônio da Nação. O Brasil possui uma robusta e abrangente pós-graduação em virtude da desvinculação da educação pública com a ideia de racionalidade mercantil. Graças ao princípio constitucional da gratuidade, milhões de jovens concluíram cursos de graduação de alta qualidade em virtude dessa conquista cidadã, agora ameaçada.
A reitoria exorta as/os senhoras/es parlamentares a considerar os valores e princípios democráticos e republicanos que orientaram a elaboração do mencionado Art. 206 da Constituição Federal, votando contra a quebra do princípio da gratuidade.
Rio de Janeiro, 20 de outubro de 2015.
Roberto Leher
Reitor
Crédito da imagem: Luís Macedo/Agência Câmara