O início do Curso de Especialização em Educação de Crianças e Pedagogia da Infância no último dia 25 é resultado de uma vitória histórica da luta das trabalhadoras da Unicamp. O projeto teve início com 40 vagas exclusivas para professoras do CECI, CAS e PRODECAD e duração de um ano, mas existe o compromisso da reitoria em estender o projeto a profissionais da rede básica de ensino da região.
Esta edição especial do Boletim do STU entrevista Zilda Farias, ex-diretora do sindicato que por mais de dez anos esteve à frente da mobilização pelo direito à formação continuada das trabalhadoras do Sistema de Educação Infantil como parte da jornada (o que desde 2008 está previsto na Lei 11.738/2008, que reserva 1/3 da carga horária docente ao planejamento e aprimoramento profissional).
A pedagoga Zilda, que trabalha na creche desde os anos 1990, primeiro como contratada via Funcamp e depois efetivada via concurso, participou durante muitos anos do Fórum de Educação em Campinas, e representou o STU e as trabalhadoras da DEdIC como delegada às Conferências Nacionais de Educação em 2008, 2009 e 2010. Confira a entrevista.
Há mais de 10 anos a senhora luta para concretizar essa iniciativa. Quais são as expectativas em relação ao desenvolvimento do projeto a partir de agora?
Discutimos políticas para a DEdIC há vários anos. Não só eu. Há um grupo de colegas, algumas que nem estão mais aqui porque já se aposentaram, que participa da elaboração e fundamentação dessa pauta. Essa conquista é um dos itens da nossa pauta pela valorização da Educação Infantil.
Um curso em parceria entre a Faculdade de Educação e a DEdIC pode parecer óbvio e simples para quem não é daqui, mas infelizmente muitas coisas produzidas e construídas na Unicamp pelos pesquisadores não são acessíveis a nós, funcionários. No PROESP (curso de formação superior para as professoras das redes), nós, professoras das creches e pré-escola, não tínhamos direitos de prestar o processo seletivo. Tivemos que pedir ao sindicato e aos representantes dos funcionários no Conselho Universitário que levassem ao Consu o debate para termos direito de acessar aquele curso na época.
O curso envolve diversas faculdades da Unicamp (FE, FEF, FT e IA). Qual a importância dessa transversalidade num projeto de formação continuada e para o projeto pedagógico do Sistema de Educação Infantil da Universidade?
A principal Faculdade envolvida é a de Educação, e temos também professoras do IA. O que tem de inovador neste curso é que nós, docentes e pesquisadores, buscamos um método baseado em outra concepção de Educação Infantil e de Pedagogia, que respeita a infância e prioriza a arte, que traz Antropologia, Geografia, Sociologia e Política – lembrando que a infância não termina aos 5 anos de idade. E já que as crianças hoje são obrigadas a ir para o Ensino Fundamental mais cedo, a gente inclui essa campanha para formação de professores e gestores para o Ensino Fundamental também. Uma concepção construída e aprendida na militância no Sindicato e na Faculdade de Educação, com a professora Ana Lúcia Goulart – que foi quem abriu as portas da FE há muitos anos. Nós da Ed. Infantil não damos aulas, porque é uma educação específica para a criança pequena, com outra característica, mas que não é menos importante que o Ensino Fundamental, Médio e Superior.
O projeto é uma vitória da luta por formação continuada inserida na jornada de trabalho. Gostaria que falasse sobre esse conteúdo da conquista na perspectiva de uma educadora.
A formação continuada está sendo discutida pelo Brasil inteiro, está nos documentos do MEC, é lei, mas está difícil os governos implementarem o 1/3 da jornada para formação e planejamento. Isso já começou a acontecer aqui na DEdIC, onde temos mais ou menos 130 professoras e mais de 700 crianças. Eu costumo dizer que a gestão da DEdIC é como uma secretaria de Educação dentro da Unicamp, existem pequenos municípios que têm menos crianças em Educação Infantil e séries iniciais do que a gente. Nos últimos anos, o projeto educacional tem sido elaborado com um pouco mais de participação da comunidade. Isso também é novo. E é uma grande vitória a questão de estarmos em serviço, que é uma luta de professores no Brasil inteiro.
É uma vitória das professoras da DEdIC, mas também de uma visão de universidade e de educação, tem a ver com o papel da Universidade e a disputa de um outro modelo de educação.
É importante divulgar essa parte. A gente foi construindo essa consciência de ver a educação de outra forma, que não essa tradicional, sectária, preconceituosa e que reproduz as concepções burguesas da sociedade.
O STU também cumpriu um papel importante nisso, atuando pela pauta de reivindicações, mas também discutindo um modelo de universidade, de sociedade e de educação.
O sindicato tem feito isso. Para ter qualidade e diferença no cotidiano da Educação Infantil como um todo, tem que ter políticas públicas em nível nacional, estadual e municipal, melhorar a formação básica nos cursos de graduação e a formação continuada, investir na carreira, salários e condições de trabalho. E, principalmente, estabelecer mais diálogo com as famílias para que entendam a função institucional da Educação Infantil, que não é a mesma do espaço privado familiar.
Entre as diretrizes do Plano Nacional de Educação/2014 está o respeito à diversidade – que vem sendo maliciosamente chamado de “ideologia de gênero”. Como esse debate se insere na proposta pedagógica ora iniciada?
Temos uma disciplina que aborda as questões das culturas – e várias outras também falarão sobre isso. Nessa disciplina falaremos sobre a diferenças, a inclusão, as diferentes etnias e culturas (afro, indígena…), a questão de gênero. Porém sabemos que ainda há muito que avançar nesse sentido. Infelizmente, as comunidades escolares ainda relutam muito em discutir essas questões e inserir nas práticas cotidianas esses temas. Então não é fácil e algumas coisas serão transformadas com o tempo.
Neste 8 de março o que a senhora tem a dizer às trabalhadoras da Unicamp e ao conjunto da sociedade sobre a importância de uma educação com perspectiva de gênero?
Nós mulheres, e os homens que lutaram lado a lado conosco e mudaram suas práticas, temos que lutar por mais creches e vagas. Não adianta lotar um espaço de crianças, ou colocar 30, 40 crianças numa sala com uma professora. Tem que ter vaga para todo mundo, mas tem que ter qualidade. Não é só garantir as refeições, pois isso é o mínimo. Temos que saber como as crianças estão convivendo, se estão sendo bem tratadas, já que muitas passam o dia inteiro nas escolas. Se conversássemos mais com todos os segmentos (família, gestores, professores e funcionários), conseguiríamos construir uma outra forma. E temos que lutar, ir para os fóruns de educação e sindicatos, e participar. Não existe outro jeito.