[Artigo] Renan Araújo (*)
O SUS/Floyd teve seu pescoço pressionado pelos joelhos de Temer e seus golpistas quando aprovaram seu sufocamento progressivo por 20 anos. Resistiu.
O SUS/Miguel foi lançado à própria sorte, enviado a um passeio assassino por elevadores macabros dos cortes de verbas e omissões negacionistas e perversas.
O SUS, esse ser cambaleante, mas forte, muito forte, resiste.
É um gigante, um belo “monstro”, construído a centenas de milhares, talvez milhões de mãos de cidadãos militantes brasileiros.
Seu maior problema foi ter nascido no Brasil, onde não há espaço para pensamentos acolhedores, inclusivos, humanizantes. E uma elite perversa e racista gostava (e gosta) de dar esmolas aos indigentes para pleitear uma vaga no céu. Essa gente nunca ficou satisfeita com a criação de um sistema que acabasse com a indigência e colocasse todos em situação de igualdade. “Isso é coisa de comunistas”, diziam os insatisfeitos.
Pausa para confissão aqui: o SUS é, sim, uma obra de comunistas. Assim eram Sérgio Arouca e David Capistrano Filho, dentre outros tantos, comunistas e lutadores incansáveis para que brasileiros (todos) fossem tratados como cidadãos diante de suas necessidades de saúde. Mas não só comunistas pensaram e fizeram o SUS. Uma geração inteira de lutadores pela civilização brasileira, pelo avanço social, pela democracia, dedicou seus esforços para que acontecesse seu nascimento.
A Constituição Cidadã de 1988 é a certidão de nascimento do SUS. Depois dela foram tantos perrengues, tantas idas e vindas, tantos avanços e recuos. Vida difícil desde a infância, tempos melhores, tempos piores, agora alcançando a maturidade em meio a seu maior desafio: enfrentar a pandemia do coronavírus e derrubar Bolsonaro.
Luta hercúlea. Luta contra dois inimigos ao mesmo tempo. Inimigos poderosos, determinados, ataques por dois flancos, defendendo-se com armas limitadas.
Esse é o seu maior desafio. Um grande desafio, para quem foi gestado ainda nos estertores da ditadura militar e nasceu junto com a nossa redemocratização, pendurado no tênue cordão de correlações de forças voláteis.
E Bolsonaro, em sua insanidade, quer destruir o SUS de uma vez.
Quer fazer o que os outros não conseguiram. Aproveita-se do vírus para atacá-lo pelo outro flanco. Atacá-lo no seu financiamento, no seu funcionamento, desrespeitando as regras que o tornaram um exemplo para o mundo: o maior sistema de inclusão social do planeta. Orgulho dos brasileiros.
E a guerra ganhou transtornos dramáticos nos últimos dias.
Em meio à pandemia, sem nenhuma vontade de reduzir as mortes (pelo contrário, parece incentivá-las), Bolsonaro militariza o Ministério da Saúde, coloca no seu comando um general inescrupuloso e um empresário de cursos de inglês para comandar a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, uma das suas mais importantes áreas.
Além de atingir a cabeça do SUS (o ministério), Bolsonaro amarra seus braços e pernas boicotando envio de recursos (por até 70 dias) para que os governadores cumpram seu programa de combate à pandemia e reduzam a mortalidade que promete ser recorde no Brasil.
Mas o SUS resiste! Resiste na luta dos mais de 100 médicos mortos. Resiste na morte de centenas ou talvez milhares de profissionais que estão na linha de frente dessa guerra. Resiste pelas vidas que são salvas. Resiste na atuação de cada profissional da saúde que atua destemidamente, dia e noite, para que a catástrofe não seja maior.
Talvez estejamos perdendo feio essa luta. Talvez os governadores não tenham mais fôlego para manter medidas de isolamento e assistência, conforme planejado. Talvez tenham que ceder às pressões por afrouxamento das medidas de controle. Bolsonaro está conseguindo sufocar os Estados e forçar o aumento dos contágios e mortes.
Mas o SUS resiste.
E o SUS vai mostrando ao mundo que ele é inclusivo, acolhedor, democrático, tudo que Bolsonaro não é. E vai mostrando ao mundo que salvar vidas é possível, apesar do genocida. E vai mostrando ao mundo que sem ele (ah, sem ele!)… seria multiplicada por muito a nossa dor.
E o vírus vai nos educando da maneira mais cruel e seca. Como a pedra educa no poema de João Cabral de Melo Neto, a soletrá-lo, em sua natureza concreta. Sabemos agora quem está do lado do humano.
O SUS vai, sim, derrubar Bolsonaro.
(*) Renan Araújo, Médico e integrando do movimento Médicos pela Democracia.
Fonte: Portal Vermelho